REFORMA FISCAL? Essa não sai!

Esse cenarista teve um privilégio único de ter sido, por dois anos, presidente da Comisssão  Especial de Reforma Tributária da Câmara de Deputados. Isso lá pelos idos de 1997/98. Àquela época, acreditava-se que a empreitada seria deveras dificil. Mas, não se cria que seria algo impossível de concretização, mesmo que tal reforma  se limitasse a algumas alterações pontuais. Admitia-se, por exemplo, que seria possível promover algumas medidas simplificadoras do sistema mas, longe de qualquer veleidade ou de qualquer pretensão, a idéia de uma reforma fiscal mais profunda, como requeria o país, nunca passou pela visão mais ingênua e mais otimista de qualquer membro da Comissão. Ninguém, em sã consciência, acreditava ser possível  promover uma reforma institucional de tamanho vulto capaz de transformar, estruturalmente, o País. A proposta mais ousada que surgiu e atraiu muitos simpatizantes, foi a do chamado imposto único!

Na verdade, talvez àquela época, fosse difícil dimensionar e aquilatar os fatores que geravam grandes dificuldades para se alcançar algum sucesso nesse processo. E naquela oportunidade não se falava de reforma fiscal, algo muito mais complexo, que não envolvia, apenas, a distribuição de rendas públicas entre a União e as unidades federativas mas, também, a definição da  distribuição de atribuições e competências e o estabelecimento de critérios de apropriação das rendas públicas por cada um dos entes.

E quais são as razões objetivas por que não se faz uma reforma tributária no País?

 

A primeira dela advém do conflito de interesses entre o centralismo e o federalismo fiscal. A formação histórico-cultural do País sempre conduziu a idéia de  um estado centralizado e unitário. A idéia de Federação copiou-se da América, embora nenhuma das pré-condições lá existentes prosperavam por aqui. Então a União, numa visão autocrática e estilo monárquica,  não abre de manter o controle maior sobre as receitas públicas e, usa tal  como instrumento primordial de controle sobre o estado e sobre a sociedade. Vide quanto da atividade econômica, do investimento, da poupança, estão, direta ou indiretamente, nas mãos da União e se tem a dimensão e as razões para tal controle.

 

Por outro lado, alguém há de argumentar que, sendo o Parlamento a representação da Federação e de seus vários interesses, por que ele não promove tal reforma, fundamental para o desenvolvimento sustentável e equilibrado do País? Ora, por razões que não vale à pena discorrer, o Parlamento brasileiro é dependente do estado clientelista, dos favores garantidos, de forma individualizada a cada um dos seus membros, pelo Poder Central e, comprometido e submisso, amesquinha-se e não intenta qualquer atitude mais séria nesse sentido.

 

Por outro lado, o próprio empresariado, além de não se mostrar estruturalmente organizado para exercer a pressão política requerida para a defesa de seus próprios interesses, perde-se num emaranhado de conceitos confusos e sem fundamentação lógica e, assume uma posição ora de omissão e de parcialidade em torno da discussão da matéria.l

 

Em terceiro lugar, vem o fato de, inexistindo um planejamento do desenvolvimento nacional, por consequência inexiste, também, uma proposta de redução de desigualdades regionais a exemplo do Mezzogiorno Italiano ou do Tennessee Valley Authority nos Estados Unidos ou projetos dessa natureza, ora desenvolvidos na China. Aqui criaram-se mecanismos de redução de desequilíbrios regionais como os Fundos Constitucionais — FPE e FE — , os fundos de desenvolvimento regional tipo FINAM, FINOR, etc além de alguns incentivos especiais como, por exemplo, o tratamento dado ao Estado do Amazonas com a sua Zona Franca.

Ademais, é sabido que tais mecanismos são muitas vezes anulados pela natural concentração de investimentos, notadamente de infra-estrutura, nas regiões mais ricas onde a demanda, necessàriamente, em face de seu tamanho e dinamismo, é maior e mais premente. Por outro lado, agem para favorecer tal atitude de quem detém o maior poder de investimento no País, no caso o poder central,  as chamadas  externalidades ou economias externas, o que, mais uma vez, agem para esvaziar e descapitalizar as regiões mais pobres. E aí, mais uma vez, para diminuir a diferença de elementos de atração de investimentos privado pelas chamadas economias externas, os estados mais pobres passaram a fazer uso de um mecanismo chamado, erroneamente, de guerra fiscal. Diz-se erroneamente, porquanto o  que há é uma competição fiscal onde os estados das regiões deprimidas abrem mão de receitas fiscais futuras em favor da geração de renda e empregos mais imediatos e permanentes. Porquanto, comoé preciso gerar uma massa crítica de atividade produtiva para dar-lhe sustentabilidade, no médio prazo, e garantir o dinamismo futuro de suas economias, os estados mais pobres fazem uso de, pràticamente, dos graus de liberdade que detém sobre o quase único tributo relevante que é o ICMS.

 

Se houvesse um projeto nacional onde ficassem estabelecidas as diretrizes, a estratégia e os objetivos a alcançar com as intervenções federais via investimentos diretos e recursos cativos do BNDES, Fundos de Pensão e  recursos dos demais bancos oficiais, dispensar-se-ia qualquer tipo de estímulo fiscal que tirasse o caráter de neutralidade do sistema tributário nacional.

 

Mas, difícil estar fazer entender, até mesmo pelos protagonistas maiores — estados ricos versus estados pobres — que a questão não é de que alguém vá abrir mão de direitos em favor de outrém mas que se estabeleça uma opção objetiva sobre se se quer uma nação com menores desequilíbrios,, menores desigualdades e menores distorções e, se o princípio de organização do estado deve ser mesmo a Federação e a autonomia municipal. Fora disso não há outro caminho.