DE PLACAS E CIDADANIA!
Os Estados Unidos da América que, a partir de sua atitude hegemônica e dominadora, geraram ressentimentos e, até mesmo, ódios contra seu povo, apesár de questionado e polêmico, reconhecidamente, é a maior e uma das mais longevas e estáveis democracias do mundo. E tal se deve a algumas circunstâncias de sua formação histórica e da forma como se disseminou, em toda a sua população, um conceito amplo e objetivo do que venha a ser o exercício da cidadania. A colonização do País se deu a partir de cidadãos que se sentiam oprimidos no Reino Unido e, emigrando para a nova terra, estabeleceram-se, separados pelos seus credos religiosos — quackers, mormons, metodistas, presbiterianos, luteranos, batistas, etc — em treze colônias, preservando os seus valores, costumes, mores e credos religiosos. E, definiram um modo de convivência, entre as colônias, de respeito e não ingerência de qualquer ente e sob qualquer pretexto, em seus arranjos sociais e comunitários.
Daí ter surgido, naquelas plagas, não uma Federação mas, por certo, uma Confederação que, só se fez presente, quando o inimigo externo ameaçava as suas conquistas, de cada uma delas de per si. Combateram o colonizador mas, terminada a refrega, o que fizeram os pais da pátria foi definir que, para as ameaças futuras, seria necessário construir um estado nacional. E assim o fizeram e o puseram a teste na Guerra Civil Americana. A partir de tal construção, estabeleceu-se um estado altamente descentralizado onde o poder locar se faz preponderante e onde o estado foi concebido e estruturado para servir o cidadão e não para servir-se dele. Por outro lado, para tudo se elege o representante, desde o prefeito até o juiz, o delegado, o promotor, o diretor da escola, o diretor do hospital, por tempo determinado, para que, usando o maior bem da democracia, para que todos, quando insatisfeitos com uma escolha, possam corrigí-la no pleito subsequente.
Um outro aspecto fundamental da solidez dos valores democráticos americanos vem da consciência de cada cidadão de seus direitos e responsabilidades, de tal forma que, as placas representam muito a tradução do que é tal exercício. Os yankees não curtem o excesso de leis, decretos, regulamentos, portarias, instruções normativas e, alterações constitucionais só ocorreram, em toda a vigência da mesma, cerca de vinte e duas vezes! Para eles, a lei não os presume conhecedores dos diplomas legais. Também, não estabelece o estado fiscalizador e perturbador da tranquilidade do cidadão, com inoportunas abordagens e invasões de privacidade quando não existe motivação maior. Até mesmo no trânsito, alguém só é solicitado a apresentação de documentos pessoais e do carro, na hipótese de cometimento de infração ou por atitude considerada suspeita. Mas, mesmo nesse caso, a situação se diferencia pois que, como nos estados unidos o cidadão é honesto até prova em contrário o que, em certas republiquetas, o cidadão tem obrigação de provar a sua honestidade, tal princípio minimiza os desconfortos frequentes a que são subordinados, os brasileiros, por exemplo!
Nos EUA, para fazer prevalecer a lei, o país é inundado por placas, avisos e advertências, colocados em todos os locais, com uma frequência incomum, demonstrando que a lei só pune se por acaso alguém praticar aquele ato estabelecido como ilegal pela lei. O dono do cachorro que não recolhe as fezes do animal; alguém que lança, de um carro, objeto na estrada; alguém que comete infrações de trânsito e, tantas outras inúmeras contravenções ou infrações. E, o mais interessante é não ter um fiscal ou um policial presente. A infração cometida, de um modo geral, é denunciada pelos próprios cidadãos como uma forma de preservar seus direitos, resguardar-se contra prejuízos a sua integridade e ao seu patrimônio e, impedir que a impunidade prospere. Faz-se necessário, está sempre explicitando o que não pode ser feito e nunca está mostrando o que se pode fazer. OU seja, tudo que a lei não proíbe é permitido.
Também o políticamente correto existe mas, sem os excessos que transformam valores políticamente corretos em guante autoritário e elemento de chantagem para alguém que não o professa.
Cidadania se exerce sem fúria legisferante, sem arroubos autoritários, sem excesso de estado, sem fiscalização restritiva ao ir e vir do cidadão, sem policiamento ostensivo e, acima de tudo, com muita cultura de direitos, obrigações e deveres. E, acima de tudo, num estado descentralizado e, cada cidadão tem convicção de que, é ele quem paga a conta e o estado está aí para serví-lo e não dele servir-se.
Parece que a grande questão que falta ao país, além da limitada cultura de cidadania — aqui sempre se pergunta o que é que o governo vai fazer por mim ou para resolver tal problema? — é o problema do enforcement. Na verdade sem cidadania consciente, sociedade civil organizada e uma justiça razoàvelmente rápida e aparentemente não discriminatória contra pretos, pobres e prostitutas, como dizia o velho Ulysses Guimaraes, o próprio enforcement das leis fica altamente prejudicado.
Concordo totalmente com sua visão do principal pilar de sustentação da sociedade norte-americana. O excessivo aparato de leis e normas não nos garantiu o respeito a cidadania, talvez porque não tenhamos um conceito claro de algo que aparece em quase todos os lugares onde se entra nos EUA que é o da palavra “enforcement”. A Relação crime/punição dos EUA demonstra que menos leis e mais ação do aparelho judiciário sao muito mais eficientes e eficazes no que diz respeito a proteção da cidadania. Justiça ineficaz – e olha que somos quase imbativeis neste quesito – implica sempre no inexorável desrespeito a cidadania e a democracia.