É POSSÍVEL ENXERGAR UM LADO BOM DA CRISE?

Diante de todo o pessimismo, o desencanto, a frustração, a decepção e a quase revolta dos brasileiros com o chamado “estado das artes” do País, merece uma reflexão crítica sobre qual o resultado de todo esse processo de crise e de dificuldades encaradas pelos cidadãos da pátria amada.

O lado desagradável da crise está explicitado pela significativa queda da renda disponível das famílias, pelo elevadíssimo nível de desemprego, que gera o quase desespero a 12,5 milhões de trabalhadores e pela incerteza e pela insegurança quanto ao hoje e o amanhã do Brasil. Essas enormes dificuldades, aliás, já estão bem conhecidas porque experimentadas e vivenciadas pela maioria da população do País.

Mas, fora esse lado abjeto e tão indesejável, o que se pode tirar de lição ou de algo favorável dessa crise tão desarticuladora da vida, da economia e de natureza tão profunda? A própria indignação e revolta do povo com os desvios de conduta e de comportamento de políticos, agentes públicos e de empreiteiras, conduzem a busca de uma nova ética de comportamento e de responsabilidade e de um novo caminho nos relacionamentos interpessoais e institucionais.

No momento em que ocorre  ” esse passar o país a limpo” e, em consequência, todo esse processo de gestão e condução da coisa pública sendo revisto, haverá chance de se separar o joio do trigo. No momento em que se processa um duro combate à corrupção, aos poucos, a sociedade vai sendo mais intransigente para com certas concessões e licenças bem como mostrar-se-á menos leniente em relação aos pequenos delitos, as pequenas contravenções e as pequenas concessões à ética, a que os brasileiros estavam habituados.

Descobre-se, por exemplo que, o hoje tão falado Caixa 2, foi prática useira e vezeira, país afora, não apenas por grandes empreiteiras mas por médias e pequenas empresas e, principalmente, por profissionais liberais — “com nota ou sem nota; “com recibo ou sem recibo”, “por dentro ou por fora”, entre outras práticas — adotando-se, a concessão, a algo assemelhado ao que se fazia e se fez, até agora em relação ao jogo do bicho.

E, isto só ocorreu, em muito, pelo fato de que, no País da hipocrisia, faz mais de vinte anos que dormita no Congresso Nacional várias propostas de regulamentação do Lobby, de tal maneira que a defesa de legítimos interesses de grupos e de segmentos econômicos e sociais pudessem ser feita, de maneira direta, limpa e transparente como, por exemplo, ocorre nos Estados Unidos. Lá o representante dos plantadores de amendoim, por exemplo, ou os defensores do chamado “corn belt”, afirmam e explicitam que foram eleitos e financiados pelos mesmos, com o específico fim de defender os seus interesses.

Aqui não! Usa-se o Caixa 2 para financiar um político “escondendo-se” a contribuição financeira a ele dada, com o intuito de “como que” proteger o empresário doador para que não fique estigmatizado pela doação feita bem como não marcando o recebedor como o defensor de causa específica de um empresário ou de um segmento econômico. Tudo explicitando uma grande mentira pois, aparentemtemente, o que se buscava era ressalvar essa grande hipocrisia da vida política do País.

Agora mesmo, na famosa lista da Odebretch, misturando doações legais eleitorais, sem contrapartida de favores recebidos pela empreiteira, na forma de aprovação de projetos de lei ou de alteração de medidas provisórias ou de PEC’s, entre outras ações, com as marcadas por negociatas e propinas, tal delação representa um ato de irresponsabilidade e de leviandade. Mesmo em tais casos de apoio a pleitos das empreiteiras, se houvesse uma legislação séria e correta sobre lobby, ter-se-ia a chance de separar o lícito do ilícito pois que, é público e notório que o processo eleitoral sempre foi financiado por doações empresariais. Portanto, ter-se-ia a chance de discriminar a doação, desrinada a contribuir com uma possivel mudança da ética de compromisso com uma mera troca de favores, as vezes espúrios.

Assim, a partir de agora, espera-se que se vote legislação específica de exercício do lobby bem como de financiamento de campanha para que não se incorra mais nessa hipocrisia que até agora tem conduzido a uma enorme confusão e garantindo o oportunismo daqueles que se valem desse caos para tirar proveitos e angariar simpatias e aqueles que agem lícita e sinceramente,  com espirito publico, para salvaguardar interesses nacionais de forma a mais lícita possível.

Além de tais aspectos, a crise, como sinônimo de oportunidade, tem permitido o despertar da imaginação e da criatividade, dentro do princípio de que as dificuldades aguçam a inteligência como instrumento ou como a capacidade para resolver problemas. Assim tem crescido a busca de soluções engenhosas e criativas destinadas a minimizar o impacto da crise sobre as famílias, as empresas e os governos.

Nas famílias,, a compressão dos gastos; a aceitação de salários menores em negociação entre patrões e empregados; a devolução de carros e apartamentos comprados financiados; a inadimplência proposital, em função da redução da renda disponível; a redefinição de prioridades no orçamento familiar; o empreendedorismo com a criação de negócios e a exploração de oportunidades de trabalho; o trabalho compartilhado; a intensa pesquisa de preços; a solidariedade e a busca da redução de desperdícios, foram muitas das lições aprendidas pelas famílias, em face da profunda crise econômica nacional.

Se assim ocorreu com as famílias, também as empresas buscaram se ajustar as imposições e limitações propiciadas pela crise. Muitas delas fecharam as suas portas pois estavam no limite da viabilidade. Outras, ajustando o seu tamanho ou, até mesmo, fechando as suas portas! As empresas promoveram significativos ajustes nos preços finais de seus produtos como também fizeram, na maioria dos casos, traumáticas redução de custos — redução do número de empregados; negociações salariais, redução de desperdícios, etc — além de ajustarem seus programas de trabalho à concorrência. Dessa forma, o que se viu, por exemplo, foi uma excepcional queda no mercado imobiliário tanto na compra e venda como nos aluguéis além de, no referido mercado, nos demais,  uma queda significativa de preços dos produtos e dos serviços.

Por parte do governo ou dos governos, embora agindo mais lerda e mais lentamente nas suas reações, a redução de desperdícios, o combate a desvios, vazamentos e fraudes nos programas de governo, notadamente nos programas sociais; a compressão de gastos; a suspensão de concursos, de novas contratações e de aumentos de salários, são parte do esforço em curso. Ainda no aguardo dos impactos da PEC 241/55 e da reforma da previdência e de outros ajustes  que, necessariamente serão feitos, aguarda-se um choque de austeridade nas ações do poder público, notadamentr em estados e municípios.

Na verdade, os processos de ajustes no Banco do Brasil, na Petrobrás e que se estenderão a várias outras entidades de governo, já começa a mostrar essa nova face da postura e da atitude do governo. Dessa forma, o que se pode dizer é que o efeito da crise tem gerado resultados muito significativos pois até mesmo no ranking internacional da solidariedade, foi o Brasil o país que mais apresentou avanços nos últimos tempos.

É possível que resultados significativos possam vir a ser alcançados em níveis bastante mais significativos em termos, por exemplo, no comportamento dos preços relativos, admitindo-se que ocorram menores distorções e desequilíbrios; na redução das ineficiências e desperdícios, com maior nível de preocupação e de controle; na busca de soluções criativas e inovadoras,  para melhorar a eficiência e a competitividade dos negócios e na criação de um ambiente onde a ética, a responsabilidade, o compromisso e a meritocracia venham a prevalecer.

A única coisa que a crise não conseguirá , por enquanto, reverter, é o pessimismo que domina mentes e corações brasileiros. E tal vai levar tempo para se voltar a acreditar no país, nas suas instituições e, principalmente, nos seus homens públicos.

 

 

 

 

 

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