ESTARIA A SOCIEDADE PRONTA PARA A NOVA ABOLIÇÃO?

Para muitos analistas da cena brasileira, a nova lei que rege o trabalho doméstico representa uma tal revolução nas relações de trabalho que simbolizaria uma espécie de nova abolição da escravatura. Para um país com 6,6 milhões de empregados domésticos, mas com 70% sem carteira assinada, a nova legislação pode, aparentemente, colocar o Brasil no plano das nações onde há um amplo respeito a esse tipo de ocupação. Por outro lado, a nova legislação, ao incorporar tais progressos, de uma só vez, pode vir a gerar uma redução substancial de tais vínculos empregatícios.

Embora se saiba que,  em países mais avançados, a sociedade familiar aprendeu, dividindo as atribuições entre o casal e os filhos, quando possível,  a realizar as tarefas domésticas mais corriqueiras, praticamente acabou-se ou, reduziu-se, sobremaneira, o trabalho domésticos nos moldes do que ocorre em países como o Brasil. Só os muito abastados dispõem de mão de obra assalariada para as tarefas domésticas e, a classe média faz uso de mão de obra assalariada apenas para, num dia da semana, por exemplo, promover uma faxina mais completa da casa.

Se essa é uma tendência natural da evolução da sociedade brasileira, a legislação pode piorar o quadro que se desenhava ano passado com um aumento do desemprego de tais cidadãos.  É claro que ocorrerá transformações no mercado de trabalho e outras atividades poderão vir a ser estimuladas, como seria o caso, por exemplo, da escola em tempo integral que ajudaria a reduzir a necessidade de mão de obra doméstica.

Na realidade, o Brasil sempre buscou copiar os avanços nas relações sociais de tal natureza com leis que, na ânsia de buscar a perfeição, superavam nas exigências e compromissos aquilo que sociedades mais ricas, mais maduras e menos desiguais estavam pondo em prática. Assim, a Lei da Palmada; a Lei Maria da Penha; a Lei do Funcionário Público; os aperfeiçoamento na lei do idoso; a lei de proteção à família do presidiário; o estatuto do Índio; o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei de Proteção ao Meio Ambiente, entre outras, são demonstração patentes de duas coisas. A primeira, de que o Brasil se acredita muito  mais avançado, evoluído e capaz, culturalmente, de assimilar tais mudanças nas relações sociais,sem um tempo de maturação necessário do que nações mais avançadas levaram para a aplicação de tais normas. Ou seja, aqui, nesse  patropi, o marco regulatório vai à frente da evolução da própria sociedade. E mais.  Acreditam ainda os brasileiros, mais na força da lei do que na força dos grupos de pressão da sociedade civil ou na própria consciência de grupos sociais sobre os seus direitos e deveres. O que leva a situações esdrúxulas onde há leis que pegam e leis que não pegam de tão absurdamente avançadas! Alguns muitos acreditam que a mera letra da lei obra milagres e faz  as transformações sonhadas e desejadas por quem as produziu!

Segundo estimativas preliminares, o aumento de encargos sobre a folha de pagamentos de empregados domésticos ocorrerá entre 32 a 72% sobre o atual valor hoje pago pelos patrões. Para alguns, se só neste início de ano, 113 mil domésticas perderam os seus empregos, o que se pode esperar é que, a partir da projeção de  tais custos, deverá aumentar o número de domésticos a perder seus postos. Para que a transição não seja tão traumática o governo acena com redução da contribuição previdenciária paga pelos patrões, como forma de minimizar o significativo aumento dos custos com tais trabalhadores. Parece insuficiente para reduzir o impacto negativo no bolso dos patrões! Por outro lado, como há ainda muita coisa para ser regulamentada na nova lei, isto  poderá aumentar ou, para os mais crédulos, quem sabe, reduzir tal projeção dos aumentos!

Ademais, os patrões acham que deveriam ser tratados, talvez, até como pequenos ou microempresários, com todos os benefícios contidos no supersimples. Outros ainda acham que deveria ser permitido desconto de todos os gastos com trabalhadores domésticos no imposto de renda.

Patrões e patroas acham que devem ser estabelecidas regras severas quanto ao horário de trabalho – relógio de ponto –; quanto a proibição do uso do celular em serviço, a não ser na hora garantida para o almoço; impedir a existência de televisão de fácil acesso aos funcionários além de avaliação de desempenho dos trabalhadores domésticos, em termos de produtividade e eficiência, para a garantia de novos benefícios a serem regulamentados. Assumem alguns que, em cidades grandes ou megalópoles do País, onde a imigração ilegal é muito significativa, a tendência é que muitos ilegais venham a ser contratados para substituir a mão de obra legal. Isso reduziria encargos e  não permitiria  que patrões tivessem  que lutar na justiça trabalhista, quando, porventura, incorressem em  irregularidades na contratação ou na remuneração ou fossem levados aos tribunais por trabalhadores que se sentissem injustiçados. Como é sabido, os juízes do trabalho se caracterizam, na sua maioria, por um certo viés pró-trabalhador quando das suas decisões, o que, com a nova lei, a festa em favor de advogados trabalhistas poderá vir a ser grande!