LULA: DECIFRA-ME…

Muitos têm tentado buscar uma explicação para o fenômeno Lula. Por que chegou a uma popularidade “nunca antes alcançada” por qualquer governante ou líder político do País e, também, por tanto tempo? Por que teria alcançado tanto prestígio internacional sem ser um intelectual e sem ter grandes contribuições ao encaminhamento de conflitos mundiais ou, até mesmo, regionais?

Será que, o seu possível prestígio internacional seria fruto de um certo “teasing”, que sugere e provoca um certo exotismo para o público externo e, talvez, decorra do fato de Lula não fazer parte da chamada “elite branca”. Em se tratando de ser ele o exemplo acabado do verdadeiro “self made man”, cujas origens, embora em um País como o Brasil, mostraria a sua enorme capacidade de superação? Adicionalmente, o fato de ser, também, alguém afável, simpático, carismático e de ter conseguido notáveis resultados nas políticas sociais implantadas e na manutenção de uma política econômica sólida, explicariam o seu notável sucesso junto à comunidade internacional?

Lula comete equívocos, gafes e demonstra uma segurança incomum ao ousar falar sobre qualquer assunto, por mais complexo e específico que seja. Lula também é capaz de acobertar erros e até crimes de seus amigos ou correligionários sem nenhum pejo e, pasmem, não receber censura de quem quer que seja. Por isto, dizem os seus críticos, Lula tem uma espécie de teflon, que nada pega nele. Por outro lado, todos acham comum, natural ou, no máximo, exclamam, diante das diatribes de amigos, afilhados e protegidos seus: “Mas se todos os políticos fazem, por que ele não poderia fazer”?

Muitos ainda atribuem os êxitos de Lula a muita sorte, a circunstâncias internacionais que muito lhe favoreceram e ao fato de não ter alterado o figurino básico da política econômica do seu antecessor. O êxito de Lula e o fato de ele se ter mitificado, merecem análise mais profunda e séria.

Em primeiro lugar, como afirmou Lucília Garcez, escritora e ex-professora do Instituto de Letras da UNB: “Todas as vidas são interessantes. Em cada história pessoal há desejos, conquistas, coincidências, oportunidades, mudanças, transformações, sucessos, fracassos, ganhos, perdas, acidentes, conflitos, encontros e desencontros. Entretanto, algumas vidas são emblemáticas, são prototípicas, pois concentram características comuns a uma grande parcela da população ou representam um fenômeno identificável numa determinada realidade”.

Não resta a menor dúvida de que Lula faz parte desse grupo chamado de vidas “emblemáticas ou prototípicas”, marcadas por circunstâncias tão especiais que o transformaram num mito. Assim como Lampião representou um mundo de projeção de sonhos e aspirações onde se construiu uma imagem mitificada do homem “que tinha o corpo fechado”, “extremamente corajoso”, excessivamente esperto e capaz de enganar tropas inteiras de “macacos”, embrenhando-se pelas matas e, ainda, representava uma espécie de Robin Hood do semi-árido, se construiu como figura emblemática que, superando os preconceitos e as restrições à mobilidade social, cresceu e furou tal bloqueio da precariedade da mobilidade vertical do País.

Se Lula consegue mostrar essa característica mítica, é possível agregar a ele aquelas características messiânicas de um Conselheiro e, com extraordinário talento, assumir, como suas, também, as características desenvolvimentistas de Juscelino e o papel de “pai dos pobres”, tão bem interpretado e aproveitado por Getúlio Vargas.

Mas, a que se deve tamanha capacidade de sensibilizar as massas, de comover multidões, de cooptar as elites e calar a classe média, de tal forma, a se constituir em “o cara”?

Há algo mais relevante do que sua história de sofrimentos e constrangimentos; do seu jeitão bonachão; do seu carisma; da sua fala que toca à alma e aos corações dos filhos do “bolsa família” e de um grupo de esquerda que ainda existe espalhado pelo país? A resposta está no que Lula construiu em termos de liderança sindical. E, a feliz circunstância de que Lula praticamente começou a sua “carreira artística” quando o Estado Autoritário começava a se preparar para a transição para o Estado Democrático de Direito. Foi à época do início da chamada “distensão lenta e gradual”, que começou a abrigar as manifestações por liberdades civis de várias entidades da sociedade, inclusive a condescendência com os movimentos sindicais. Lula passa a ser o líder, com todas as marcas fundamentais para o sucesso, junto aos seus liderados e, por não ser de esquerda – isto é, ele declarou à cientista política Lúcia Abramo que não era “nem comunista, nem socialista, nem trotskista, nem stalinista, nem maoísta e, na verdade era apenas defensor dos trabalhadores”. Essa atitude “soft” encontrou simpatias de Golbery do Couto e Silva, o bruxo do estado autoritário, bem como das indústrias multinacionais automobilísticas, onde a luta por aumentos salariais da elite dos trabalhadores brasileiros não encontrava resistências nem restrições por parte dos militares.

E foi nesse ambiente que Lula desenvolveu a sua enorme capacidade intuitiva, dirão, de entender a condição humana e de saber lidar com ela. Foram todos esses anos de estrada, na mesa de negociação, mostrando enorme capacidade de transigir, sem trair os compromissos com a classe, que Lula aperfeiçoou sua capacidade de fazer política. Ninguém conseguiu aprender tanto a lidar com interesses conflitantes, a administrar problemas e, acima de tudo, aprender a administrar o seu próprio sucesso. As três eleições presidenciais perdidas, a sua atuação no Congresso Nacional, a sua habilidade de compor, negociar e liderar companheiros para determinados objetivos partidários e vinculados ao seu projeto político, foram moldando Lula.

Talvez ele tenha aprendido a lição de Juscelino de que “Deus me privou do sentimento do ódio”, tenha entendido que “governar é administrar conflitos e, acima de tudo, conciliar”.

Esse é, em parte, e de maneira muito simplista, o Lula que melhor sabe se valer da frase de Ortega Y Gasset, quando se safa dos constrangimentos, afasta os condestáveis do poder, constrói pontes com políticos de reputação suspeitíssima, enfrenta escândalos e derrapagens morais de companheiros e, consegue administrar as vaidades e egos de seus companheiros.