NÃO DÁ PARA AGUENTAR…

Este cenarista foi desafiado, como nordestino, a fazer uma análise da questão nordestina nos dias que correm. Dificilmente seria o cenarista capaz de analizá-la, a luz da razão e de argumentos, cartesianamente, precisos e lógicos. O que move o autor, nestas circunstâncias, é uma avaliação muito mais emocional, marcada pela indignação e pela revolta, do que a análise fria de números, cifras ou mesmo, estratégias de governo.

O que se assiste no semi-árido nordestino envergonha, revolta e gera descrença nos governos, nas instituições e nos homens públicos! Ninguém reclama; ninguém protesta; ninguém grita contra essa ignomínia que é o profundo descaso das autoridades constituídas com o sofrimento, a angústia e a miséria, alí nitidamente visível. Inclusive, segundo as previsões metereológicas, o espectro de uma nova seca tão impiedosa como a atual, nesse terceiro ano consecutivo de uma nova e impiedosa seca! A propósito, no caso do Ceará, dos 184 municípios do estado, cerca de 176 estão em estado de emergência e, os reservatórios estão com apenas 40% de sua capacidade!

Alguém há de argumentar de que hoje em dia, não se assiste mais, como outrora, a procissão de miséria de famintos, pelas estradas, a pedir esmolas ou a invadir as grandes cidades, promovendo saques, em busca de comida, pelos retirantes!

Dizem que os programas de compensação de renda – bolsa-família, previdência rural, agricultura familiar, vales de toda ordem, entre outros – permitiram afastar aquele que era o maior libelo contra o País, as autoridades constituídas e contra a própria sociedade como um todo que era a fome de irmãos caboclos sem ter a quem recorrer!

A fome talvez não aflija mais tanto as famílias como no passado. Mas a seca brava, tira das pessoas, não apenas a esperança, a autoestima mas, também, dilapida aquele pequeno patrimônio pessoal, constituído de pequenas lavouras e de alguns poucos animais que o sertanejo, impotente, assiste morrer, se não de inanição, mas, acima de tudo, vergonhosamente, de sede!

E a seca hoje se alastra por inúmeros municípios do semi-árido onde não há qualquer fonte de água potável, ou, até mesmo, de água não potável a exigir uma intervenção estatal que não se sabe mais de que natureza!

Até hoje prometeram-se ações, definições, providências e projetos para, pelo menos, permitir que o caboclo do sertão pudesse conviver, pacíficamente, com as secas!

E, conviver com as secas periódicas não significa que representaria a superação das causas da pobreza e do atraso regionais. Tão somente, cumprir aquilo que qualquer governo sério caberia realizar, ou seja, garantir condições mínimas de acesso à água, pelo menos para beber!

E, a proposta mais elementar é simples. Ela se baseia em três idéias elementares:

1. água para o povo beber;

2. água para os animais;

3. água para as culturas permanentes.

A primeira delas, apoiar-se-ia na efetiva implantação de um projeto de caráter e preocupação quase seculares, que é a famosa Transposição das Águas do Rio São Francisco, obra hoje andando a passos de tartaruga. Se a ela se juntassem projetos de recursos hídricos como o do Governo do Ceará, de implantação do famoso cinturão das águas – porém, totalmente dependente da Transposição! –o chamado circuito das águas e, consequentemente, a possibilidade de integração de bacias e de recarga estratégica das barragens, isto permitiria afastar, de vez, o espectro da “marvada seca”. Se, accessória e complementarmente, fossem perfurados os poços em locais onde há água subterrânea e dado continuidade ao programa de cisternas familiares, a primeira prioridade de garantir água para o povo beber, estaria sendo cumprida.

A segunda prioridade, apoiada nos resultados da primeira estratégia e, adicionalmente, complementada com um programa de cisternas de tamanho destinadas a atender a demanda de água de pequenos rebanhos – de 15 a 20 animais, por família! – então ter-se-ia atendida tal prioridade.

As barragens existentes, talvez com a complementação de mais algumas, estratègicamente localizadas, para garantir a necessária integração de bacias, a perenização de rios secos e a recarga estratégica de barragens de maior vulto, atenderia a terceira prioridade.

E, finalmente, se forem, critìcamente, reexaminados e analisados, os projetos de irrigação, espalhados por todo o semi-árido, hoje, muito deles, verdadeiros elefantes brancos, dentro da perspectiva de sua exploração econômica racional e objetiva, provàvelmente a terceira preocupação estaria atendida.

E, diante de um receituário tão simples, de um já acumulado conhecimento de uso e manejo de água, pelo DNOCS e pela CODEVASF, além do que acumularam, de experiência, os estados, a pergunta que não quer calar é por que não se constrói, de forma honesta e séria, tal solução ou tais soluções?

Provavelmente o custo de tal ou tais soluções seria menor do que os subsídios transferidos pelas operações do BNDES para os Eike Batistas da vida ou para os próprios programas, tipo bolsa-família que, no “over all” gastam muito mais, para soluções temporárias, do que seria, a solução desse dramático imbróglio que é a seca do semi-árido nordestino.

Mas é tempo de circo e de eleição e, o povo, como sempre, é o palhaço desse circo mambembe!

Um Comentário em “NÃO DÁ PARA AGUENTAR…

  1. Assino embaixo de tudo que você escreveu.Quem vai investir no Ceará no setor primário,secundário ou terciário,como refinaria,siderúrgica etc,sem garantia de agua ;para não falar do prejuizo maior que é o abastecimento humano e animal.A história está ai para provar o que ocorreu nas chamadas secas de1887-1889 e 1777-1779 quando a população sofreu grandes perdas provocadas pela fome,sede e epidemias e a vida animal foi praticamente dizimada em todo o estado do Ceará.Claro que a situação melhorou.Hoje temos rodovias trasportes e reserva de agua ,mas como disse não garantem 3 anos de sêca com apenas aguas locais,precisamos importar de rios perenes como o rio São Francisco.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *