TANCREDO, O ARAUTO DA ESPERANÇA QUE NÃO SE CONCRETIZOU!

As celebrações do centenário de Tancredo Neves revelaram, para as novas gerações, a dimensão política de um homem que, em momentos cruciais da história do Brasil, deu lições de brasilidade, de transigência e de conciliação e de capacidade de encontrar soluções para os impasses construídos pela incompetência de uns, pela prepotência de outros e pela arrogância de muitos.

O mineiro de São João Del Rey, se iguala, na visão e ótica deste cenarista, no mesmo nível de estadistas como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, sendo que, na habilidade e no desprendimento político, supera os dois últimos. Ele faz parte de um tempo onde os políticos eram cassados por defender a democracia e a Constituição, diferente dos tempos amargos de hoje, onde quando não vagam impunes, são cassados por corrupção e desrespeito às leis do país.

Este cenarista fez política, ainda no tempo em que o eleitor se orgulhava do seu representante, quando o representado lembrava-se dos bons momentos e das boas ações, das iniciativas e dos discursos do seu deputado; onde, por exemplo, este cenarista teve o privilégio de ser chamado por Tancredo Neves de “o Vanguardeiro do Nordeste”, não só pelo seu papel no Colégio Eleitoral que o elegeu, mas pela sua crença inabalável de que era crucial que o nordestino vivenciasse e experimentasse uma espécie de “ideologia da nordestinidade”, sentimento de amor a terra tal qual o que liga os mineiros a Minas, a Minas de todos os brasis.

Ministro da Desburocratização, escolhido tão somente pelo próprio Tancredo, como é testemunha o Senador Pedro Simon, este cenarista procurou honrar a opção que lhe fez “o arauto da esperança” e construiu, no período em que foi ministro, toda a estrutura da defesa do consumidor no Brasil, além de ter dado enorme impulso à informatização do Judiciário e a proposta de agilização de suas ações, através de um amplo trabalho de organização e métodos nos fóruns e cartórios espalhados pelo Brasil afora.

Se tal não bastasse, construiu todo um conceito e um trabalho a favor do empreendedorismo nacional, não só como ministro, mas depois, quando implantou o próprio SEBRAE, com S, dando-lhe autonomia administrativa, orçamentária e financeira e desenvolvendo o programa Pequenas Empresas, Grandes Negócios!

Tudo sob a inspiração daquele homem pequeno, mas que foi capaz de responder, aos trinta e cinco anos, como Ministro da Justiça de Getúlio, ao desafio de se propor a enfrentar os militares golpistas da época. E que garantiu, com sua ação negociatória e conciliatória, a posse de JK na Presidência da República. Foi fiador da posse de Jango, com a engenhosa criação da figura do parlamentarismo no Brasil, respeitando o direito do presidente constitucional do País, João Goulart, e que, pelo seu papel histórico de estadista, teve profundo respeito por parte de Castelo Branco, ao rejeitar, com um duro, “Este não!” a proposta de militares radicais pedindo a sua cassação nos pesados anos de chumbo do golpe militar.

E foi Tancredo, representando o espírito libertário de Minas quem aceitou o desafio de confrontar o poder e, num difícil colégio eleitoral, mudar a história do Brasil e iniciar a construção do estado democrático de direito. Tancredo, que tinha como farol dos seus sentimentos democráticos, o protomartir da independência, Tiradentes, a quem chamada “desse herói ensandecido de esperança”. E essa saga de Tancredo, quando ao tomar posse no Governo de Minas, de maneira tão oportuna e precisa, iniciava o seu discurso, com a frase símbolo das alterosas: “Minas, teu nome é liberdade”!

Quando os brasileiros e o mundo assistiram a um pedreiro cubano, depois de oitenta e cinco dias de greve de fome, morrer, enaltecendo  o seu próprio gesto ao afirmar que “morrer pela liberdade e pela democracia é viver eternamente” ou como está a afirmar uma outra vítima do estado ditatorial cubano, Guillermo “Coco” Fariñas, ao afirmar que “há momentos na história em que é preciso haver mártires”, a gente se orgulha de Tancredo que deu uma vida pela preservação das liberdades e dos direitos civis dos brasileiros. E sonha com um retorno glorioso a um passado de ética e do respeito ao  múnus públicos de homens como ele, Ulysses, Teotônio e tantos outros.

Parece que estes dois cubanos estariam, de forma indireta, homenageando aquele que, para nós, não apenas criou a Nova República, como nos deu a maior das lições de que “tudo vale a pena, até mesmo a  vaidade de ajudar a construir a liberdade e lançar as bases do respeito a cidadania”.