Uma nova ética para a sociedade brasileira?

Diante de tanta descrença nos homens, nas instituições e no próprio amanhã da democracia brasileira, em face de uma série de circunstâncias como a deslavada impunidade, a esperteza, quase sempre marcando todos os gestos dos homens públicos, bem como  a irresponsabilidade e a omissão que tem sido a atitude e o comportamento das elites nacionais, três fatos registrados no ano que está a terminar, antecipam que, talvez,  se possa voltar a acreditar que as coisas estejam em processo de mudança.

E os episódios são os seguintes. O primeiro deles, depois de “claudicar” e, de comportar-se  de maneira insegura e frágil, o Supremo Tribunal Federal, pressionado pela sociedade civil brasileira, resolveu dar respaldo e garantir a aplicabilidade da chamada “lei da ficha limpa” no processo de escolha de representantes políticos e gestores públicos. Assim, a nova postura assumida pelo STF, respeitando uma legítima decisão da sociedade civil pois que a iniciativa da lei foi popular, fez com que se espalhasse um sopro de compromisso com os ditames do novo diploma legal, por parte de juízes, promotores e procuradores, espalhados por todo o País. E, em tal atitude, a própria mídia resolveu assumir papel fundamental em termos de conscientizar os cidadãos da relevância para o aprimoramento das práticas político-eleitorais, da referida lei, em todo o país.

Se isto representou um fato alentador no processo de melhoria qualitativa do quadro político-eleitoral, um segundo fato foi extremamente saudável para a democracia brasileira. Foi o efeito Eliane Calmon que, numa atitude das mais corajosas e ousadas, resolveu expor as vísceras do Judiciário, denunciando fatos já sabidos por quase toda a sociedade mas temida a sua divulgação e, até  mesmo, de serem passíveis de comentários por parte de qualquer cidadão, diante do temor de retaliação que o corporativismo do poder se apoia e se respalda. Eliane Calmon, ao chegar ao extremo de denunciar a existência de vendedores de sentença e de “bandidos de toga”, despertou e provocou o próprio Executivo a fazer uso da COAF – Comissão de Acompanhamento Financeiro – para avaliar a evolução patrimonial de membros do Judiciário e do seu entorno mais próximo! Foi pressionada por respeitáveis membros do Judiciário, inclusive sendo acusada de prestar um desserviço à sociedade na proporção em que tal gesto de denúncia poderia levar à desconfiança e a perda de credibilidade do Poder, ele que é a última instância da cidadania junto à maioria da população.

Se o papel de Eliane Calmon marcou notável posição perante à sociedade brasileira, o relator do mensalão, Ministro Joaquim Barbosa, praticamente, tornou-se um símbolo de esperança de que a impunidade dos poderosos não se faria assim mais com tanta facilidade como no passado recente. Não é porque o ministro relator levou ao patíbulo mais de 25 cidadãos, entre eles, três figuras maiores da política nacional – Ministro José Dirceu, Deputado José Genoíno, ex-presidente do PT e o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha – que seu gesto revigorou a confiança dos brasileiros de que algo estaria, de fato, mudando no País. Mas sim porque, sem a conotação de um linchamento público e, permitido o direito de defesa realizado, de forma magistral, não apenas pelos advogados dos réus mas também pelo Ministro Levandowsky que, de maneira competente, fez o contraponto e não permitiu que o STF fosse contaminado pela fogueira das vaidades, estimulado muitas vezes pela voz rouca das ruas ou pelos holofotes televisivos.

Se estes três fatos foram tão auspiciosos e tão relevantes para a construção e o fortalecimento das instituições democráticas do País, talvez até em decorrência de tais episódios, as eleições municipais deste ano mostraram uma nova faceta onde não houve, de fato, partido hegemônico no processo. Ou seja, nem o PT e nem o PMDB foram tão fortes sequer na manutenção de seus domínios. Por outro lado, o PSB foi a boa surpresa e, para o PT, a perda dos apoios no Norte e no Nordeste bem como o renascimento do DEM e do PSDB, além da fragmentação do controle das prefeituras por partidos considerados pequenos, foi a marca dessas eleições.

Também, embora um grande líder nacional, Lula, só tenha conseguido salvar São Paulo, capital, do desastre do seu partido, muito menos pelos méritos do seu candidato ou até mesmo pelos seus próprios méritos, mas, muito mais em face da teimosia de Serra em não buscar os apoios de Alckmin, de Aécio e de Eduardo Campos.

Na verdade, uma leitura mais acurada do processo eleitoral e uma melhor avaliação do xadrez político, pode indicar que a sucessão de 2014 estabeleça novas avaliações e apresente novos players. Mas isto é assunto para um outro comentário!