A CRISE E ALGUMAS REFLEXÕES!

De repente as pessoas se perguntam se isto que está a ocorrer  em Brasília representa um episódio isolado ou é a exposição bruta e  crua do que ocorre no País, como um todo, nessas espúrias relações do estado com o poder político e nesse processo, quase endêmico, de corrupção que marca o comportamento da sociedade brasileira.

Na verdade essa promiscuidade do público com o privado, nesta característica brasileira de que, quem detém o poder, se ache dele dono; nessa complacência ou, às vezes, até exaltação da esperteza e nessa condescendência com o chamado jeitinho ou com o “levar vantagem em tudo”, como qualidades, expõem a face detestável da vida pública brasileira.

As reduções simplificadoras desse ambiente sodomizado,  a se definir ou da forma que mostrava toda a repugnância com tais hábitos da sociedade brasileira Capistrano de Abreu que dizia que à Constituição Brasileira bastaria um artigo “Que todo brasileiro tenha vergonha na cara” ou aqueles dos dias que correm que afirmam que tudo é culpa de “um processo político-eleitoral espúrio, não transparente, não legítimo, não representativo e maculado de imoralidades nas suas práticas e concessões”, talvez as reflexões devessem ser mais profundas.

Não bastaria apenas aprovar o financiamento público de campanha. Também, a mera aprovação do postulado da fidelidade partidária ou das listas fechadas para a escolha dos candidatos ou do voto distrital ou ainda de medidas tópicas como o fim das coligações, do voto de legenda, da figura do suplente sem voto do Senado, seriam medidas necessárias e suficientes para por cobro em tais desvios de comportamento e tais patologias sociais.

Claro que, nos adjetivos, todos se põem de acordo já que, sem exercício efetivo de cidadania, sem real força garantida ao poder local, sem partidos nacionais, sem um  real e adequado federalismo fiscal e sem por a termo a impunidade diante de tantas manobras judiciais que a legislação e, esse país de bacharéis, permite, via “chicanas” de toda ordem, as coisas não começarão a andar nos trilhos da dignidade e da decência.

Enquanto prevalecer no País mais estado do que sociedade; mais Brasília do que Brasil; mais a posição acomodada do cidadão brasileiro – “o que o governo vai fazer por nós?” – do que o exercício pleno dos direitos e obrigações civis, dos direitos políticos inalienáveis e do acesso aos direitos sociais fundamentais, não como dádivas, mas como conquistas reais e efetivas, não serão abolidas práticas tão indesejáveis. Continuará sendo o país do cabresto, do favor e das maracutaias, exatamente porque a classe política hoje desfigurada vive de favores, depende do Poder Central que a manipula com emendas, obras, favores e empregos e, um prestígio que em nada lhe engrandece.

Muitos perguntam por que, nos Estados Unidos da América, as instituições funcionam bem melhor do que aqui, se são países que têm quase a mesma idade? Alguns mais apressados tendem a responsabilizar a qualidade da ocupação e da colonização que as duas nações tiveram.

O que ocorre é que, na chamada América do Norte, diferentemente do Brasil, fundou-se uma sociedade através dos chamados “Pais da Pátria” enquanto aqui, o Estado veio antes da sociedade e, dessa forma, a noção de cidadania, no primeiro, foi um ato de conquista, enquanto no segundo, foi “doação” dos governos autocráticos.

Portanto, os americanos podem não ter cultura universal, estarem voltados para o próprio umbigo e não se interessarem por aquilo que se denomina “a agenda do mundo civilizado” mas, que tem uma arraigada consciência de cidadania, isto realmente, eles têm. A democracia deles se funda no exercício da cidadania, estabelecida sobre o tripé “exercício dos direitos civis e políticos, acesso aos direitos sociais fundamentais e sobrevivência econômica condigna”; na força do poder local; no princípio de eleições para o exercício de qualquer “múnus” político;  na existência não de uma Federação mas sim de uma Confederação, lembrando sempre que a União se faz ainda na idéia de defender os estados-membros contra ameaças externas, arbitrar conflitos entre os membros da Confederação e suprir, de ação e legislação, as questões vinculadas a direitos difusos ou dúvidas a quem cabe a competência sobre certas matérias. Até a moeda, não é exclusividade  da União defendê-la. Para isto existem os bancos centrais estaduais que, juntamente com o FED, exercem tal papel.

Enquanto prevalecer o centralismo fiscal, a noção de governo autocrático, um conceito ficcional do que venha a ser federação e a política feita através do cabresto, do favor e de uma mitificação de quem comanda o poder como ora sói ocorrer, consolidar instituições, fazendo-as operar para a construção da sociedade que os brasileiros querem, precisam e tem direito, continuará sendo um sonho de uma noite de verão.