PARADOXOS DA POLÍTICA EXTERNA

RUY FABIANO

Há contradições que não resistem a uma rápida exposição dos fatos. Falam por si. É o caso do tema direitos humanos no âmbito do governo brasileiro – e da política externa de um modo geral.

O Programa Nacional de Direitos Humanos propõe reabrir a Lei de Anistia para punir os que torturaram presos políticos ao tempo da ditadura militar, há 40 anos. Mas o mesmo governo que o redigiu faz vista grossa à ditadura cubana, que acaba de enterrar mais um preso político e possui outros 200 sob a rubrica de crimes de opinião.

Só o fato de Cuba figurar como único país das Américas a possuir gente presa por delitos de opinião já imporia algum tipo de restrição, sobretudo diante do rigor com que o Itamaraty tratou Honduras, em face da deposição constitucional de seu presidente.

Com Cuba, porém, o critério é mais elástico. O Brasil empenhou-se em recolocá-la na OEA, não obstante a cláusula democrática que a mantivera afastada por mais de quatro décadas.

Os presos políticos de Cuba não pegaram em armas. Apenas divergiram ou tentaram fugir para Miami. Cumprem, por isso, penas de décadas. Lula esteve em Havana no dia mesmo em que o operário Orlando Zapata Tamayo, condenado em 2003, a 25 anos e seis meses de prisão, morria, após greve de fome de 85 dias.

Não lhe ocorreu perguntar por que se submetera a tal suplício. Apenas condenou-o por “se deixar morrer”. Não deveria ter feito a greve. No entanto, Zapata a fizera para denunciar maus tratos a si e a seus companheiros de cadeia. Sua mulher afirma que foi torturado.

Grupos de anistia e direitos humanos informam que o governo não tomou a tempo providências médicas para evitar sua morte. Quando foi levado ao hospital, já era um paciente terminal.

Aqui, o governo indeniza os que foram molestados pela ditadura militar, incluindo entre os beneficiários gente que não sofreu nenhum dano físico, casos do escritor Carlos Heitor Cony e dos cartunistas Ziraldo e Jaguar, entre muitos outros, que recebem pensões vitalícias bem superiores ao teto da Previdência Social.

A ditadura militar aprisionou, ao longo de duas décadas, duas mil pessoas. Mais de 13 mil já foram indenizadas. E há outro tanto na fila. Muito justo que se indenizem as famílias de quem sofreu violências físicas ou foi assassinado depois de detido, embora o benefício até aqui se restrinja a ex-militantes de esquerda, quando se sabe que os “crimes de guerra” de então não se restringiram a eles.

Mas é flagrantemente paradoxal que quem diz se preocupar com direitos humanos, ao ponto de indenizar os que não tiveram os seus respeitados, encare com indiferença a violação em Cuba.

A contradição, porém, não se restringe a Cuba. A política externa brasileira está cheia delas. Exemplos? O Brasil condenou a Colômbia por ceder bases para os Estados Unidos. Mas nada disse da Venezuela, que ofereceu as suas à Rússia e ao Irã.

Condenou Honduras, sem ler sua Constituição, mas ignorou os protestos mundiais de fraude nas eleições iranianas e o tratamento truculento dispensado pela ditadura islâmica de Mahmoud Ahmadinejad, que trata a oposição a ponta de baioneta.

Sem falar nos louvores de Lula à “democracia” venezuelana de Hugo Chavez, que fecha jornais e canais de televisão; na indiferença às ações criminosas das Farcs, que trafica drogas e seqüestra inocentes; e no apoio sistemático, na ONU, a ditaduras sanguinárias africanas, como a do Sudão, de Omar Hassan al-Bashir, e da Líbia, de Muanmar Khadafi, que mataram alguns milhões.

A isso, o Itamaraty chama de “protagonismo externo” do Brasil. O nome mais adequado talvez seja outro. O leitor escolhe.

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