A ERA DA ESPERTEZA: O INACEITÁVEL RETORNO!

Um regresso triste e lamentável decorreu dos desdobramentos oriundos ou derivados da paralização promovida pelos camioneiros Brasil afora: a prevalência da esperteza, do oportunismo e do querer levar vantagem mesmo em detrimento de uma sociedade já tão marcada por decepções, frustrações e desencantos. E foi isto que ficou como marca maior desse episódio, ou seja,  o uso do evento dos camioneiros para garantir, a grandes grupos de oportunistas e aproveitadores, ganhos extraordinários e discutíveis em termos éticos mas cujas perdas para uma economia já em crise e para uma população sofrida com um elevado índice de desemprego e com uma significativa perda de renda, notadamente para populações de mais baixa renda, foi muito expressivo.

A crise criada pela paralização dos caminhoneiros que, pelo que se pode antever, além dos notáveis prejuízos já causados e ainda a causar à economia e à sociedade como um todo, também deverá estimular outros segmentos a entrar em greve. Isto porque alguns segmentos da atividade economica se sentem estimulados a tanto  em face das extraordinárias, para alguns, conquistas que, presumidamente, a categoria obteve. Já se manifestam no sentido de promover paralizações assemelhadas fundamentalmente diante de um governo fragilizado e incapaz de agir com a necessária firmeza e determinação que as circunstâncias exigem, segmentos  como os petroleiros, professores e outros mais. Porém, desse quadro complicado que o País vive,  o mais importante é registrar as várias e comprometedoras faces da paralisação que, em parte, frustram e desencantam os brasileiros como um todo.

Ningém, a princípio, acreditava que a modesta categoria dos camioneiros, pelo menos em termos de capacidade reivindicatória, tivesse a competência para construir e conceber, com tanta engenhosidade, um movimento de tal dimensão nacional. E, o que chama a atenção é como foi competentemente financiado e administrado o movimento! E, o que se conclui é que, se não fora o respaldo de grandes interesses corporativos que, obviamente, descobriram como tirar vantagem desse veio reivindicatório dos caminhoneiros. Num primeiro momento  o movimento acabou conseguindo a simpatia e o respaldo popular, um instrumento fundamental a sustentar as bases de inúmeras demandas da categoria. E é aí que entram os grandes grupos empresariais do País. O que se imaginava, ingenuamente, num primeiro momento, era que a paralização fosse uma simples e justa reivindicação de caminhoneiros como que, explorados por uma tributação pesada e injusta e por uma forma de reajuste dos preços dos combustíveis que acabava expropriando parte de sua renda, teriam o justo direito de exigir uma revisão crítica de tal situação.

Ademais, distorções como a cobrança de pedágio de caminhões vazios e a cobrança de taxa pelo chamado terceiro eixo, mesmo quando não utilizado, representavam quase que uma expropriação indevida através de algo que não caberia ser cobrado. O governo tendo perdido o “timing”  da negociação acabou sendo enredada pelas suas próprias trapalhadas e, refém dos interesses de empresários da área de transporte de cargas, de atacadistas, de distribuidores de produtos de toda ordem, particularmente do segmento de alimentos, de medicamentos e de combustíveis, acabou se dobrando as suas reivindicações. Não que se diga que não eram a maioria justas mas, não foram negociadas, de forma correta e justa a não transformar o governo em mero coadjuvante perdedor do processo.

O que na verdade ocorreu e ainda está a ocorrer, é uma enorme manipulação por parte de empresários inescrupulosos, estabelecendo-se um processo de elevação injustificável de preços, criando-se um quadro de escassez  artificializado, impondo pesados ônus aos consumidores. Não basta afirmar que a ação de empresários oportunistas, espertos e aproveitadores é a demonstração de que, mesmo após as duras penas e punições estabelecidas pela Operação Lava Jato,  a cultura brasileira não mudou e a falta de ética prosperou. E, o governo, inerte e sem iniciativa, enfraquecido politicamente, não foi capaz de se impor e de estabelecer regras capazes de coibir abusos e exceções daqueles que não se regram e não se disciplinam por um comportamento com um mínimo de respeito a princípios e valores minimamente requeridos pela convivência democrática.

O que se conclui é que essa foi, segundo os objetivos dos que a conceberam e a promoveram, de fato, a mais eficaz das paralizações ocorridas no país no que respeita aos objetivos e interesses de transportadores, atacadistas, distribuidores de combustíveis, de alimentos e de medicamentos e de outros grupos. Tudo o que foi cobrado, pedido e reivindicado pelos grevistas foi aceito pelo governo, beneficiando um pouco os camioneiros  e muito mais os atacadistas, grandes revendas, transportadoras, etc.

A aliança entre camioneiros e os defensores de outros interesses pouco dignos e pouco éticos, levanta e abre espaços para a discussão de algumas teses antigas que por interesses outros foram sempre esquecidas ou no mínimo, adiado o debate sobre tais matérias. O Brasil náo pode mais operar sobre rodas. O país não pode ignorar seu tamanho territorial e, já e já, tem que implantar a rede ferroviária que o tamanho territorial e as necessidades do País estão a determinar. É absurdo que a rede ferroviária nacional represente um oitavo do tamanho da rede ferroviária americana. É simplesmente desrespeitoso e inaceitável que os cidadãos mais humildes e de baixa renda pague o preço da incompetência governamental em não lhes prover o transporte de massa mais barato e mais acessível.

Também não se concebe que um país com mais de 8.000 quilômetros de costa marítima e uma quantidade enorme de vias fluviais navegáveis não disponha de uma navegação de cabotagem respeitável e que permita o transporte de cargas a tempo e a hora e a um custo competitivo, internacionalmente.

Mas tais questões e problemas que envolvem o sistema de transporte do país a exigir medidas urgentes e objetivas devem ser objeto de uma ampla e profunda discussão com propostas capazes de serem viabilizadas com recursos de onde quer que estejam mas que existem e demonstram  interesse em investir no País. E há demais por aí afora faltando apenas competência, seriedade, compromisso e vontade política para atraí-los para tal empreitada.

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